Quando cheguei a Imperatriz, no final de 2006, para assumir a vaga de professor na UFMA, algumas coisas me chamaram a atenção: a forte presença, no imaginário da cidade, da ideia do ‘Maranhão do Sul’, ostentada em fachadas de casas comerciais, em discursos de políticos e intelectuais e até em nome de sanduíche e pizza; a enorme mistura de pessoas de diferentes lugares do país que para cá vieram (como eu estava vindo) para fazer a vida e conseguir o seu lugar ao sol (isso, aqui em Imperatriz, não é metáfora, não): gente de todas as regiões, de todos os estados e de muitos municípios maranhenses, especialmente da capital; a presença (quase onipresente) da música sertaneja e seu conjunto de significantes (a moda country, os 4x4, as duplas locais de sucesso, o som nas rádios, os shows e as ‘nejas’, quartas e/ou quintas) e os ecos da guerrilha do Araguaia. Vira e mexe, ouvia histórias sobre aqueles guerrilheiros comunistas e de como Imperatriz tinha participado daquele momento, como cidade de trânsito para as matas do estado vizinho, tanto de homens da guerrilha quanto do exército.
Ouvia aquelas histórias, ficava meio impressionado e não ia atrás de mais informações. Até que um dia (para que servem os amigos?) me caiu nas mãos o livro “Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha”, um calhamaço de quase 700 páginas, publicado pelos jornalistas Taís Morais e Eumano Silva – ela, uma filha gente da caserna, pois o pai é oficial militar da reserva; ele, um jornalista tarimbado, premiado com nada menos que o Esso de Jornalismo, o maior prêmio nacional da categoria. O livro me foi emprestado pelo amigo Élson Araújo, juntamente com outro título (O príncipe maldito), que tratei de ler primeiro por ser menos volumoso.
Fui, então, ao Araguaia, levado pelos autores do livro, cada um segurando em uma das minhas mãos. É preciso dizer ainda que, para além da história em si, a obra me atraiu por ser um livro-reportagem, gênero de texto jornalístico de fôlego, narrativa não-ficcional que vai ao limite de um determinado assunto, ao mesmo tempo com abrangência e leveza (para os que sabem fazê-lo, é claro). E o livro de Taís e Eumano não deixa a desejar em nenhum desses aspectos: alia boa narrativa a uma pesquisa profunda, séria e documentada daquela que foi, depois fiquei sabendo, a mais extensa experiência de resistência armada de uma minoria a um governo no Brasil.
Com maestria, os autores colocam você no centro do conflito: as matas da região do Araguaia. A opção, em muitos momentos, pelo tempo linguístico (contar no presente) faz com que você esteja lado a lado com guerrilheiros e militares, vendo o medo nos olhos de ambos, quase sentindo as dores pelos ferimentos, a angústia e o terror do desespero nos momentos cruciais. Não é um livro de bangue-bangue, não, mas traz muitas cenas de morte e tiroteio.
O livro também está recheado de documentos, antes considerados secretos: são correspondências oficiais das forças armadas, pedaços de dossiês, de depoimentos, laudos, fotos e relatos. Um trabalho de fôlego, uma pesquisa que deve ter exigido muita paciência (Taís declara que passou 7 anos pesquisando o assunto) e custado muitas noites de sono aos dois – pela tensão, pelas pressões e pela ansiedade de que tudo estivesse pronto logo.
E esta semana, o Centro Acadêmico do Curso de História da UEMA realizou seu evento anual (a ‘Semana H’) contemplando a temática da guerrilha do Araguaia. Nada mais atual. Nada mais vivo, em termos de material para historiadores. Nada mais abrangente e com cor nacional, pedindo mais embrenhamento, mais estudo, mais análise, mais discussão. Nada mais obscuro, ainda, apesar de muitos e muitos documentos que vieram a lume e de livros como esse, de Taís e Eumano.
A guerrilha do Araguaia, dadas a proximidade de nós, a sua importância nacional e a sua memória, sempre pululante, deveria ser um tema tão presente no nosso imaginário de cidade quanto o ‘Maranhão do Sul’ e a música sertaneja.
MARCOS FÁBIO BELO MATOSJornalista e Prof. Dr. do Curso de Jornalismo da UFMA/Imperatriz
marcosfmatos@yahoo.com.br
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