Nos tempos de minha infância, construí em minha imaginação a figura do Papai Noel como a de um velhinho bondoso, caridoso, amoroso, sensível aos apelos e anseios materiais da humanidade; o avô que nunca tive a graça de ver. Uma espécie de Robin Hood dos livros de minha adolescência, com a vantagem de atender aos pedidos dos pobres sem ter de recorrer ao saque dos bens dos ricos (se bem que eu achava isso muito interessante). Via-o, ainda, como um emissário de Jesus, vagueando pelo mundo a distribuir presentes e a consolar as crianças (as pobres, principalmente) desamparadas da sorte. Claro, eu sabia que o Papai Noel era uma invenção humana, mas, mesmo assim, ele existia no meu mundo imaginário, como personagem de um ideário desejado. Era necessário existir Papai Noel; uma esperança e uma afirmação da existência do bem entre os homens. Um ícone da solidariedade e do amor.
No Natal, o Papai Noel era mostrado como a figura humana do amor gratuito e solidário, conseqüência dos valores do Jesus que nascia e irradiava em todos atitudes de bondade e partilha. O menino Jesus, então mostrado nos muitos presépios, era a causa de tudo; da admiração, das comoções e do sentimento de piedade e compaixão que se estabelecia nas pessoas “de boa vontade”. Esse frágil e pobre menino da manjedoura, que chegava para promover o bem e a bondade, tinha o poder de acalentar nobres inspirações e influir nos humores dos mais duros corações, em favor dos mais fracos e desprotegidos. Jesus era o motivo, a causa, o moto-próprio; Noel era o conseqüente, o diligente apóstolo do Divino, a espalhar pelo mundo a alegria e a festividade, em nome do Senhor.
Há tempos, entretanto, venho cismado com as atitudes desse velhinho simpático de barbas brancas e roupas vermelhas. Desconfiei que ele poderia estar falseando sua conduta, por interesses escusos; transformado de cordeiro em lobo; de homem em lobisomem; de gente em vampiro. Fiz até a idéia de que ele tivesse bandeado para os lados de Herodes, o rei que queria matar o menino Jesus. Ou então resvalado para o comportamento de Judas, o traidor. Como mau político, o velhinho Noel começou a ocupar todos os espaços nos meios de comunicação, no lugar de Jesus, o legítimo e verdadeiro dono do Natal. Patrocinado pelos comerciantes que não gostam das idéias de caridade e partilha, tomou conta de todos os jornais, revistas, folhetos e outdoors; da internet e da televisão, e espalhou uma nova concepção sobre o Natal; agora, não mais uma festividade cristã gratuita, aberta a todos; não mais a celebração do menino da manjedoura, porém, uma comemoração restrita, com ingresso pago e caro, vendidos principalmente nas lojas de grife. E o velhinho Noel foi clonado, transformado em centenas de noéis, que se espalharam nas ruas, praças e portas das lojas, para repetir de viva voz e presença essa nova e lamentável notícia. O plano, baseado na afirmação de que uma mentira repetida mil vezes toma o lugar da verdade, funcionou. Os corações e as mentes das pessoas apreenderam que o Natal é o tempo e a festa de Papai Noel; que viver o Natal significa comprar; comprar, mesmo que não se tenha dinheiro; comprar, mesmo criando dívidas a longo prazo; comprar a qualquer custo. Comprar… comprar… comprar… Principalmente nas grandes lojas que financiam o Papai Noel.
O abusado Noel, então, usurpou o lugar do menino Jesus. Instalou sua tenda no meio de nós usurpando o lugar de seu antigo senhor, impondo-se pelo poder da riqueza e pelo brilho da ilusão; ídolo que tem pés de barro e se desfaz com a verdade.
Eu vi. E foi minha última indulgência com Papai Noel. Eu vi!
Uma suntuosa “casinha de Papai Noel”, armada na praça de Fátima, frente à catedral, ornada com tapetes vermelhos, enfeites cintilantes, luzes multicolores; um presépio com esculturas das figuras natalinas de pessoas e animais… a manjedoura, o Menino, Maria, José e os reis magos… e uma cerca de madeira. Tudo cercado de madeira! Em praça pública! Tudo cercado! Inacessível!
Era a “casa do Papai Noel” dos lojistas. Cobrava oito reais para se tirar uma fotografia com o Papai Noel. Em praça pública!
As crianças pobres passavam ao largo, encantadas, olhos reluzentes, mas impotentes, decepcionadas, desiludidas… discriminadas. O cínico e desavergonhado Papai Noel exigia pagamento para passar o braço no pescoço de uma criança e deixar-se fotografar! E mostrava-se insensível mesmo ao choro de algumas criancinhas que em prantos pediam aos pais essa imaginada glória. E estes, sem dinheiro ou indignados, tratavam de retirar dali seus filhos, diante da situação vexatória e infame a que se viam expostos.
Papai Noel tornou-se o servo mau que matou o menino patrão, encobrindo o sangue latente das mentes e corações mutilados em seus sonhos de feliz natal. Despedaçou e aniquilou inspirações que poderiam florir nas crianças, de um mundo menos desigual, mais justo e igualitário. Morreu de vez, em mim, essa personagem dúbia e charlatã, um acessório que não mais me é grato.
Fica-me, entretanto, o essencial, o fundamento e fundamental, prisioneiro escondido nessa trama do consumismo ilusório: o menino Jesus, pobre, solidário, fraterno e verdadeiro.
Mas, quem sabe, o verdadeiro Noel esteja escondido, calado, censurado, também prisioneiro desse sistema de exploração?
Um comentário:
Melhor do Brasil, passando apenas para desejar um FELIZ NATAL a voce e toda sua família.
Que em 2011, Deus possa ebençoar a sua vida grandemente.
Forte abraço!
Carloto Júnior.
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